
Terapia familiar
Tadeu Roberto de Abreu
Em toda família funciona um complexo jogo consciente e inconsciente de papéis, funções, conluios, pactos secretos e tabus, regidos por sentimentos que manipulam as relações e comportamentos de seus membros e, às vezes, tornam a família conflitiva e disfuncional. Esse dinamismo atravessa gerações e por sua natureza inconsciente proporciona uma repetição estereotipada de cenas que, sem uma adequada

elaboração e insight, tendem a reedições, cristalizações e desfechos nada favoráveis no processo de individuação. O ‘bode expiatório’ ou ‘paciente identificado’ podem carregar o sintoma de uma família e graças a mecanismos de defesa maciços de cisão e identificação projetiva, impedir que o grupo tenha acesso a sua implicação e contribuição na manutenção do status quo.
A família Y pode procurar ajuda psicoterapêutica para seu filho adolescente que está envolvido em drogadicção e atos antissociais, mas não perceber de imediato que a sintomatologia deste remonta a fortes crises de angústia ligadas ao histórico de uma mãe internada repetidas vezes com depressão e tentativas de suicídio e a um pai que é indiferente às necessidade de atenção e afeto de um filho pré adolescente. Estes, por sua vez, agem segundo um modelo herdado e/ou transmitido psiquicamente através das pautas de relacionamentos com seus pais de origem e a conflitos que inconscientemente carregam em seu mundo mental. Mesmo em indivíduos que não carregam o rótulo de ‘ovelha negra’ da família, pode estar contida muita violência intrapsíquica que boicota e automatiza a liberdade de escolha.
Na essência de todo casal que resolve constituir família existe um pacto secreto (Ramos, 1999) que os une segundo motivações que vão além da afinidade e amor conscientes. Os motivos inconscientes que fazem duas pessoas se relacionarem não são da ordem do linear e bom senso. Para exemplificação e sem pretender ser reducionista, um pai alcoólatra ou uma mãe violenta, com seus correlatos psíquicos e sociais, podem estar subjacentes à escolha dos cônjuges. É comum ouvirmos a frase “Nada é por acaso!”. Em Psicanálise isto é uma máxima e é inegável sua validação empírica na Clínica. Ela nos confronta com o mundo mental das famílias quando nos debruçamos a pensar os conflitos familiares diante das questões envolvidas na parentalidade e conjugalidade (Rodriguez; Gomes, 2012).
Mas afinal, quando a indicação é terapia familiar ao invés de terapia de casal?
Gomes e Levy (2010)1 nos apresentam uma primeira noção de diferenciação no trecho a seguir:
“Quando a queixa trazida ao terapeuta diz respeito a questões referentes à parentalidade, a indicação mais comum é pela realização de uma terapia familiar. Entretanto, em alguns casos observa-se que a parentalidade oculta dificuldades em relação à conjugalidade, que deveriam ser prioritariamente trabalhadas. São situações nas quais os cônjuges não conseguem manter os lugares de homem e mulher, de marido e esposa, mas perdem-se nos lugares de pai e mãe. Frente a essa dinâmica, justifica-se que o encaminhamento feito seja o de uma terapia de casal.
Abaixo apresentaremos alguns exemplos que servirão de modelos para pensarmos na indicação de terapia familiar, lembrando que existe uma infinidade de apresentações de sintomas aparentemente individuais que remetem a dinâmica de uma família e a implicação de todos os membros no sofrimento e na manutenção do paciente identificado:
• Adoção;
• Morte e luto;
• Agressividade verbal e física;
• Violência doméstica;
• Abuso sexual intrafamiliar;
• Processo de separação e divórcio;
• Famílias reconstituídas;
• Famílias simbióticas;
• Famílias esquizóides;
• Membros psicóticos ou borderlines;
• Rejeição e dificuldades de relacionamento;
• Brigas entre irmãos;
• Abuso de drogas e/ou álcool por filhos;
• Abuso de drogas e/ou álcool dos pais;
• Roubo e outros atos antissociais;
• Promiscuidade;
• Fugas de casa;
• AIDS e Câncer;
• Bulimia ou Anorexia;
• Problemas de comunicação;
• Uso excessivo de tecnologia.
Podemos dizer que a terapia familiar tem sustentação teórica desde os primeiros escritos psicanalíticos de Freud e em todo corpo teórico que abarca os conflitos edipianos. Em “Fragmento da análise de um caso de histeria” (1905), ele afirma que o interesse do psicanalista deve-se dirigir também para as relações familiares do paciente e não somente para o mundo interno. Sabemos que o tratamento de Dora e outros de Freud não envolveram uma terapia familiar e que sua preocupação era de que a Psicanálise se ocupasse mais do inconsciente em detrimento de fatos objetivos. Mas trabalhos como “Psicologia das Massas e Análise do Eu” de Sigmund Freud e obras sobre grupos e instituições de outros psicanalistas de renome como Enrique Pichon-Rivière, José Bleger, Eiguer, Kaes e, mais especificamente para mim, Wilfred Bion, lançam bases para uma teoria e prática para olhar o grupo familiar no enfoque psicanalítico.
Em 1948, Frieda Fromm-Reichman apresenta um trabalho sobre a esquizofrenia e o conceito de mães esquizofrenogênicas para indicar que havia observado uma particularidade nas famílias dos pacientes a respeito da comunicação e vínculo.
A Escola de Palo Alto, Califórnia, na década de 60, ofereceu uma grande contribuição no desenvolvimento da terapia familiar com trabalhos científicos na linha Sistêmica e com seu expoente Gregory Bateson.
A terapia familiar se oferece enquanto ferramenta quando a con(fusão) familiar esteja bloqueando o desenvolvimento da subjetividade, individuação e fixando seus membros ao processo endogâmico.
As entrevistas iniciais são marcadas com a família nuclear e posteriormente se elege com qual família será desenvolvido o trabalho. Dificilmente uma família apresenta demanda espontânea para terapia. Na maioria das vezes recebe indicação incisiva dos orientadores psicopedagógicos da escola ou de algum profissional do judiciário. Pode ser determinada judicialmente como pré requisito para guarda e regulamentação de visitas.
Nestes casos, o trabalho do terapeuta inicialmente é assinalar a ligação associativa dos sintomas individuais com a dinâmica familiar que os estão mantendo e causando mal estar a todos.
Notas:
1 -) GOMES, Isabel Cristina; LEVY, Lidia. Indicações para uma terapia de casal. Vínculo, São Paulo , v. 7, n. 1, p. 13-21, jun. 2010 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-24902010000100003&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 04 set. 2016.
2-) RODRIGUEZ, Brunella Carla; GOMES, Isabel Cristina. Novas formas de parentalidade: do modelo tradicional à homoparentalidade. Bol. psicol, São Paulo , v. 62, n. 136, p. 29-36, jun. 2012 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-59432012000100004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 07 set. 2016.
3-) FREUD, Sigmund. Fragmento de análisis de um caso de histeria. .
4-) FROMM-REICHMAN, F. Psicoterapia intensiva en la esquizofrenia, Ed. Hormé, Buenos Aires in Shirakawa, I. - O Ajustamento Social na Esquizofrenia, São Paulo, Ed. Lemos, 1999, 3a ed.;